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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Uma arma à cabeça, um tiro. Jornalismo é profissão de risco

Por ter publicado uma piada, num dos jornais que edito, tive uma arma apontada para minha cabeça. Mas, antes de narrar esse fato, primeiro outro episódio em que o gatilho foi puxado.
Em 28 de abril de 2001, sofri o que qualifico de um dos maiores sustos da minha vida, mas que segundo a polícia tivera todos os indícios de um atentado. Seguindo orientações de advogado, fizemos BO (Boletim de Ocorrência) em Joinville. Até hoje nenhuma manifestação policial investigativa ocorreu, pelo menos que eu saiba.
As evidências dos fatos relatadas no BO levantavam suspeitas de que o tiro disparado contra o meu veículo quando dirigia na BR 101 pudesse ter relações com as denúncias que minhas reportagens faziam contra fundição joinvilense por conta do descarte criminoso de rejeitos industriais na região.

De acordo com o diretor da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) muitos crimes ocorrem porque os agressores têm a sensação de que não vão ser punidos. "Há uma situação já comprovada de que todos os crimes que ocorrem contra jornalistas no interior do Brasil acabam sendo engavetados", disse em recente encontro em Brasília José Carlos Torves.
Por essa razão a Fenaj defende a aprovação de um PL (Projeto de Lei) que está sendo analisado na Câmara, que federaliza os crimes contra a atividade jornalística. Trata-se do PL 1078/11, que permite a participação da PF (Polícia Federal) nos inquéritos sobre esses crimes quando houver "omissão ou ineficiência" das polícias dos estados e municípios.
A proposta do Delegado Protógenes (PCdoB-SP) altera a Lei 10.446/02, que já prevê atuação conjunta da PF com outros órgãos de investigação para crimes como formação de cartel, violação de direitos humanos, sequestro, cárcere privado e extorsão por motivos políticos.
Segundo a Fenaj, só nos seis primeiros meses de 2012 seis jornalistas foram assassinados. Em todo o ano de 2011 foram, também, seis. Em 2010, um único caso e, em 2009, dois. Desde 1995 foram assassinados 41 jornalistas no Brasil. A entidade destaca que a violência contra a categoria não diz respeito só a assassinatos, mas a agressões físicas, ofensas verbais e ameaças, que são costumeiras.
Em dezembro acontece o lançamento do meu primeiro livro. Em "O Gigante Acuado", relato algumas passagens desse tipo de violência que venho sofrendo em Joinville por entidades poderosas, entra elas a Prefeitura Municipal de Joinville, Univille, Acij, Ajorpeme, CDL, Acomac e Tupy Fundições S.A.

A ONU (Organização das Nações Unidas) denunciou em junho na abertura da 20a reunião do Conselho de Direitos Humanos o que qualifica de "aumento drástico" da violência contra jornalistas na América Latina. A entidade classifica de "preocupante" a situação brasileira e cobrou "medidas imediatas" do governo para garantir proteção aos profissionais.
O Comitê para a Proteção dos Jornalistas, com sede em Nova York, calcula que o Brasil lidera o ranking de jornalistas assassinados na América Latina em 2012. Nos seis primeiros meses de 2012, foram mortos 110 jornalistas no mundo em situação considerada de violência e atentado à liberdade de imprensa, segundo a PEC (Press Emblem Campaign). Em 2011 foram 107 profissionais mortos. O Brasil está na quarta posição. A PEC listou os 21 países mais violentos para o exercício da profissão. Na América Latina, os campeões são o Brasil, no vergonhoso primeiro lugar, seguido por Honduras, Bolívia, Colômbia, Haiti e Panamá.
Voltando ao caso da piada. Desde que edito o JOV (Jornal O Vizinho), em suas páginas sempre têm, no mínimo, uma piada. Seis personagens as protagonizam desde abril de 1991. Os casais Frtiz e Frida, Heinz e Helga, Harry e Hilda. Isso para prestigiar a colonização germânica do município.
O ano era 1992. Um casal típico da germanicidade joinvilense entra na minha empresa, que tinha sua sede à rua Rio Grande do Sul, 158, e o marido pergunta irado: "Guem serrrr guem esgrrreve os piadas dessa jornal?", ao que imediatamente me apresentei. Ato contínuo o homem tira uma arma do bolso da calça e aponta em direção à minha cabeça falando em tom ainda mais alto: "Borquê a senhor fica faiz piada com meu prrroblema com minha Frrrida e todas as meus vizinhas agorrra estão rrrindo, debochando de nós, umaveiz?".
Até hoje não sei de onde tirei tanta calma e capacidade argumentativa para evitar que aquele homem puxasse o gatilho. Era um homem simples, trabalhador, morador do bairro Anita Garibaldi, perto da BR 101. Eu havia publicado uma piada em que o Fritz era traído pela Frida com o amigo Heinz. Pois, bem. O cúmulo. O casal que entrara à minha sala era o Fritz, casado com a Frida que tinha um amigo Heinz, e a piada narrava uma situação coincidentemente real.
Desde aquele dia pensei em colocar embaixo de todas as piadas: "Essa piada é uma obra de ficção, qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência". Foi o que consegui fazer com o Fritz armado. Convencê-lo de que jamais eu soubera da existência deles e, muito menos, do caso de traição que envolvia o triângulo amoroso do bairro Anita Garibaldi. O homem saiu da minha empresa muito, muito envergonhado e pedindo-me desculpas. Foi tudo tão inusitado, tão surreal, que esse caso não levei ao conhecimento da polícia. Aquele homem teria tudo para puxar o gatilho contra a própria cabeça se eu o denunciasse. Soube da morte dele, natural, dois anos depois. Nunca mais soube da Frida, nem do Heinz.

Como se vê, a profissão é de risco, constante.
No fim deste texto, outra matéria sobre o tema publicada em agosto de 2013, atualizando-o. Apesar do que o autor escreve neste novo texto eu ainda aconselho: Se você é jornalista, convém que se sindicalize, pois os sindicatos são importantes entidades de apoio aos profissionais. Seguem os links de alguns. Se você conhece algum outro, avise-me através dos "comentários" que eu adiciono à lista.

Sindicato de jornalistas
Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina
Sindicato dos Jornalistas do Acre 
Sindicato dos Jornalistas de Alagoas
Sindicato dos Jornalistas do Amapá 
Sindicato dos Jornalistas do Amazonas
Sindicato dos Jornalistas da Bahia
Sindicato dos Jornalistas do Ceará
Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal
Sindicato dos Jornalistas do Espírito Santo
Sindicato dos Jornalistas do Estado do Rio de Janeiro
Sindicato dos Jornalistas de Goiás 
Sindicato dos Jornalistas de Juiz de Fora
Sindicato dos Jornalistas de Londrina 
Sindicato dos Jornalistas do Mato Grosso
Sindicato dos Jornalistas do Mato Grosso do Sul
Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais
Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro
Sindicato dos Jornalistas do Pará 
Sindicato dos Jornalistas da Paraíba 
Sindicato dos Jornalistas do Paraná 
Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco
Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul
Sindicato dos Jornalistas de Rondônia
Sindicato dos Jornalistas de São Paulo
Sindicato dos Jornalistas de Sergipe

Algumas entidades da área da comunicação

Leia mais sobre o tema que se destaca no livro, neste blog:
Minha casa, o fim da minha vida
"Deus" tremendo filho da puta
Imperdível, assustador, pois o veneno está à mesa
Acontecimentos inesperados, consequências de incalculáveis repercussões


O perigo de ser jornalista: violência e abandono 
Por Raphael Tsavkko Garcia em 06/08/2013 na edição 758 do "Observatório da Imprensa" 

Não há qualquer tipo de segurança ou mesmo garantia de segurança para quem exerce a profissão de jornalista. Caso você seja um freelancer, a situação tende a piorar. Sequer sobra a possibilidade de ter um jornal, uma estrutura como barreira ao menos para processos.
Casos recentes de assassinatos de jornalistas em Minas Gerais, as ameaças sofridas pela jornalista Lucia Rodrigues por parte do coronel Telhada, da Rota de São Paulo (e agora vereador), que também ameaçou e fez ser exilado o jornalista do Estado de S.Paulo André Caramante, ou mesmo a tentativa de assassinato de blogueiros como Ricardo Gama, no Rio de Janeiro, e o suposto suicídio do blogueiro catarinense Mosquito denunciam a total insegurança em que vivem aqueles que decidem denunciar poderosos e perigosos e também as ameaças e pressões sofridas por eles.
Recordo-me quando, em 2001, fotografei e gravei um protesto de neonazistas em plena Avenida Paulista. Eram neonazistas, fascistas, integralistas, enfim, toda a nata do submundo do ódio de extrema-direita reunida para defender o deputado Jair Bolsonaro. Até hoje, dois anos depois, ainda recebo ameaças por parte de neonazistas e similares, mas nada mais grave me ocorreu. Infelizmente o mesmo não pode ser dito no caso de dezenas de outros jornalistas.
Apuração e veracidade
Toda esta facilidade com que se ameaça e mata jornalistas é reflexo da falência não só do Estado de Direito, mas dos sindicatos, que deveriam representar nossa categoria. Os sindicatos não atuam sequer na luta por salários decentes, contra os PJ e excesso de “frilas”, que o diga na proteção de seus filiados e não-filiados. Para eles interessa mais a “luta” pelo diploma que pela vida dos jornalistas, de quem, com paixão, exerce esta profissão, independentemente de possuir ou não um pedaço de papel.
Não adianta contar com a polícia, pois uma parte significativa dos assassinos de jornalistas são policiais e ex-policiais, nem com o governo, pois muitas vezes os jornalistas são ameaçados e mortos por criticar governos e, infelizmente, não podemos contar com quem deveria nos representar, pois os sindicatos estão mais interessados em decidir quem pode ou deve sequer ter direito a ser chamado de jornalista baseados em um pedaço de papel e não em capacidade, habilidade e mesmo amor pelo que faz (fazemos).
Enquanto na grande mídia jornalistas se vendem pelos melhores preços (em muitos casos pelo preço possível, ou passam fome), vendem sua ideologia, sua ética, sua integridade para reportar aquilo que querem os patrões, na mídia alternativa – vide a Caros Amigos – resta a precarização. Os jornais não conseguem conviver com a internet, ampliando a precarização e as demissões (passaralhos) em redações, desprezando o importante papel dos jornalistas hoje de curadoria e de análise de dados e notícias. Apenas neste mês, a Abril pretende demitir mil funcionários e em momento algum o sindicato se insurgiu ou sequer planeja se insurgir, pressionar e buscar alternativas. Ao menos tempo, na Argentina, funcionários de jornais realizaram paralisações conjuntas e organizadas por todo o país.
O jornalista hoje não apenas escreve, mas se coloca como um diferencial de qualidade, analisa, seleciona, faz curadoria, é um modelo. Qualquer um pode ter um blog, mas a responsabilidade pela apuração e a garantia da veracidade dos fatos recai, ainda, sobre o jornalista. E isto é desprezado.
Raphael Tsavkko Garcia é mestre em Comunicação